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Vista Frontal do Edificio Principal do Tribunal Supremo
Tribunal Supremo

Moçambique partilha no Brasil a experiência do Poder Judicial e Combate à Corrupção

O Presidente do Tribunal Supremo, Adelino Manuel Muchanga,  partilhou a experiência do País, na matéria sobre “o Poder Judiciário e o Combate à corrupção em Moçambique”, no seminário internacional de justiça, subordinado ao tema “o Poder Judiciário nas Relações Internacionais”, que decorreu nos dias 03 e 04 de Abril de 2019, no Brasil, à margem das celebrações dos 30 Anos do Supremo Tribunal de Justiça deste País.

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Refira-se que acompanharam o Presidente do Tribunal Supremo nos eventos, José Norberto Baptista Carrilho, Juiz Conselheiro, e Jeremias Alfredo Manjate, Juiz Desembargador e Secretário-Geral do Tribunal Supremo, Maria de Fátima Fonseca, Juíza Desembargadora.

Dada a riqueza e actualidade da abordagem, no contexto da reforma de administração pública moçambicana e do Judiciário, apresenta-se, a seguir, na íntegra, o teor da intervenção:

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O Poder Judicário e o Combate à Corrupção em Moçambique

A corrupção, enquanto abuso de cargo para obtenção de proveito próprio ou de terceiros, não é um fenómeno novo. Há registos de improbidade em todas as épocas, em todos os quadrantes e nos mais variados contextos e formas de organização dos poderes públicos.

A corrupção em Moçambique não difere da de muitos outros países, podendo classificar, em termos práticos, como pequena e grande corrupção. A pequena corrupção está disseminada por quase todos os sectors do Estado. As causas da prática generalizada de actos corruptivos não são nem únicas nem evidentes, mas não estaremos longe da verdade se  atribuirmos uma quota da responsabilidade ao elevado grau de pobreza da maioria da população, em que se inclui uma parte considerável dos servidores públicos, e aos processos de acumulação primitiva de capital e de riqueza comuns aos países cuja economia ainda está num estágio inicial de desenvolvimento. A par da pequena corrupção, há outra maior e mais complexa, quase sempre associada a formas organizadas de criminalidade, sempre muito difíceis de combater.

Moçambique é um Estado jovem com uma nação em construção, como tal, enfrenta enorme desafio de consolidação das suas instituições políticas, dos órgãos e aparelhos do Estado, inclundo o poder judiciário, sem o qual o combate à corrupção é impensável.

Moçambique ascendeu à independência nacional em 1975 e, como Estado independente, passou por vicissitudes delicadas desde a sua existência como país independente, tais como, a agressão do regime racista da antiga colónia brtânica da Rodésia do Sul, hoje Zimbabwe, a desestabilização perpetrada pelo regime do apartheid da África do Sul e a guerra civil de 16 anos, que só terminou com a assinatura formal do Acordo Geral de Paz em Roma, em 1992. Seguiram-se várias situações isoladas de crises político-militares.

Na realidade, apenas o ano passado o país tem conhecido uma paz efectiva em resultado de um entendimento entre o Governo e o principal partido da oposição. Como se pode compreeender, as prioridades impostas pelos sobressaltos da nossa história não permitiram um investimento robusto na capacidade organizativa para reprimir a criminalidade.

Apesar das dificuldades, várias medidas foram tomadas, visando o combate eficaz ao fenómeno da corrupção.

A nível legislativo, o Códico Penal português de 1886, que já tipificava os crimes de peculato, concussão, peita, suborno, corrupção activa e passiva, aceitação de interesse particular, percebimento ilegal de emolumentos, aceitação de oferecimento ou de promessa, além da imposição arbitrária  de constribuições, foi revogado por um novo Código aprovado em 2014 (entrou em vigor em 2015). O novo diploma actualizou e acrescentou à lista anterior, os crimes e participação económica ilícita em negócio, o tráfico de influências, a simulação de competência, o abuso de cargo ou função, entre outras manifestações modernas de corrupção.

Foi aprovada  a lei de probidade pública que estabelece um código de ética para servidor público e que obriga aos titulares de determinados cargos públicos a declarar anualmente os bens de que são titulares, assim como dos respectivos familiares directos.

A legislação de contratação pública  também impõe regras de transparência nos concursos públicos, bem como a obrigatoriedade de inclusão da cláusula anti-corrupção em todos os contratos que impliquem uso de fundos públicos.

Além das medidas legislativas atrás referidas, Moçambique adoptou uma Estratégia de Combate à corrupção.

Assim, no plano institucional, destaca-se a criação do Gabinete Central de Combate a Corrupção, órgão especializado dependente da Procuradoria Geral da República, responsável pela condução dos inquéritos e instrução dos processos ligados a corrupção.

Mais recentemente foi criado o Gabinete de Informação Financeira de Moçambique com vista a apoair na investigação de casos de corrupção, tráfico de drogas e outros crimes de natureza económica  e financeira. O Gabinete tem como funções essenciais receber, analisar e disseminar as informações que consubstanciem suspeitas de branqueamento de capitais às autoridades competentes.

Está, ainda, em curso uma reforma ampla da administração pública com vista a desburocratização e simplificação de procedimentos, no âmbito da chamada Estratégia da Governação Electrónica. Este processo tem trazido resultados positivos no aumento da transparência e eficiência do sector público.

Paralelamente, Moçambique é parte da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e ractificou o Protocolo da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral Contra a Corrupção, pelo que também estes instrumentos internacional e regional se mostram incorporados na ordem jurídica interna.

A nível do Judiciário, apesar das grandes dificuldades sentidas na sua edificação, a preocupação com a preservação dos valores da probidade e da integridade esteve sempre presente no seio dos jovens magistrados, oficiais de justiça e funcionários dos tribunais, bem como do Ministério público.

A Ética e Integridade são áreas temáticas obrigatórias dos cursos de formação inicial, ministrados pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciára, às quais se dedica um número de horas substancial.

Neste domínio, o Judiciário de Moçambique tem participado, desde a primeira hora, em iniciativas internacionais e regionais com vista a melhorar os níveis de ética e de integridade, por exemplo, dando o seu contributo à preparação, desde o ano de 2000, dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial e, também, mantendo uma boa cooperação com as escolas, centros e institutos nacionais dos países de língua portuguesa encarregados do treinamento de magistrados no capítulo da ética e da integridade. Destacamos a colaboração frutuosa que tem sido desenvolvida com o CEJ – Centro de Estudos Judiciários de Portugal,  com a ENM – Escola Nacional da Magistratura do Brasil, com o INEJ – Instituto Nacional de Estudos Judiciários de Angola e com diversas outras instituições de treinamento de magistrados.

Também coloborámos na iniciativa que deu lugar à aprovação da Declaração de Doha e comparticipámos no estabelecimento da Rede Global de Integridade Judicial. Todas estas iniciativas e acções visam educar o corpo de magistrados e de oficiais de justiça e cultivar neles, de forma permanente, de hábitos salutares e boas práticas que os mentenham resguardados e prevenidos de uma possível intecção pela corrupção, já que, como se costuma dizer, não se consegue combater a corrupção com corruptos.

Para salvaguarda da independência do Judiciário, os Magistrados gozam de um Estatuto próprio, prevendo os seus direitos e regalias, e estão sujeitos à gestão e disciplina do Conselho Superior da Magistratura Judicial.

O Conselho Superior da Magistratura Judicial, órgão de gestão e disciplina dos juízes, tem estado especialmente atento aos desvios éticos e às condutas violadoras dos deveres que ocorrem esporadicamente, abrindo inquérios, instaurando processos disciplinares e impondo sanções que, em alguns casos, chegaram a implicar o afastamento da carreira, como sucedeu com os 7 magistrados e vários oficiais de justiça nos últimos 4 anos.

A percepção pública actal acerca da capacidade do poder judiciário de contribuir para derrotar a corrupção ainda não é favorável, em parte porque apesar de serem às centenas os processos julgados nos tribunais e numerosas as condenações, na sociedade de informação em que vivemos o que  interessa ao grande público são os casos mediáticos, em particular aqueles em que sejam réus figuras públicas.

Com efeito, o índice de confiança nos tribunais sobe na opinião pública, nos media, nas redes sociais e na sociedade sempre que é levado a julgamento um membro da classe política, ministro, deputado, embaixador ou alto funcionário do Estado acusado de prática de actos de corrupção. Trata-se de um fenómeno à escala global e não apenas de Moçambique.

Entre nós, almejamos que o cidadão não perca a confiança em relação ao poder judicial, sem o qual é impensável o combate à corrupção, a defesa dos direitos individuais e colectivos, e o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. Mas o nosso compromisso é com a justiça, uma justiça que seja realizada de forma estruturaa e organizada. Daí que, de um modo geral, os nossos magistrados têm sabido manter o distanciamento necessário em relação aos juízos antecipados feitos na comunicação social e nos fora extrajudiciais e têm conseguido salvaguardar a sua independência, não se deixando influenciar ou pressionar no acto de julgar e de sentenciar.

Sabemos que o caminho que temos pela frente é longo e muito difícil, porém o curso e o tempo da justiça não podem ser o de cruzadas ou do instantâneo, típicos da sociedade do espectáculo, ao sabor do momento político circunstancial ou da corrente de opinião pontual. Mas também sabemos que podemos contar com todas as forças da sociedade moçambicana nesse percurso. E temos a esperança de que, a longo prazo, iremos vencer.

Brasília, 4 de Abril de 2019 ”