Teve lugar, no dia 01 de Fevereiro de 2019, em todo o país, a abertura do ano Judicial – 2019, à luz da Lei nº 24/20007, de 20 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n° 11/2019, de 3 de Outubro, sob o lema “40 Anos da Organização Judiciária de Moçambique: passado, presente e futuro”.
O acto solene central decorreu em Maputo e foi presidido pelo Primeiro-Ministro da República de Moçambique, e nela usaram da palavra, de pleno direito, o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, a Procuradora-Geral da República e o Presidente do Tribunal Supremo.
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Flávio Menete, na sua intervenção, destacou que devemos hoje muito a esses compatriotas, que imbuídos de muito entusiasmo e forte patriotismo, tiveram a coragem de começar do zero, cientes de que estavam a plantar uma árvore frondosa que proporcionaria uma sombra que representa a paz resultante do funcionamento pleno do sistema de administração da justiça.
Na sua intervenção, referiu, ainda, que a história não reservou aos advogados o privilégio de apresentar o seu testemunho de 40 anos ao serviço da justiça, isto porque esta profissão foi proibida em 1975, através do Decreto-Lei n° 4/75, de 16 de Agosto, situação que perdurou por cerca de duas décadas.
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique disse que “40 Anos da Organização Judiciária de Moçambique: passado, presente e futuro, é o melhor lema que poderíamos adoptar no actual cenário, pois, o nosso sistema de administração da justiça está à prova e o seu futuro depende do que fizermos hoje.
Por seu turno, a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, na sua intervenção, sustentou que a celebração dos 40 Anos da Organização Judiciária de Moçambique, trata-se de um momento de particular importância, em que despidos de tabus ou concepções corporativistas, devemos avaliar os grandes desafios da nossa justiça, na sua perspectiva de se traduzir num valor incomensurável para a evolução de uma sociedade.
A titular do Ministério Público, referiu que os elementos como celeridade processual, qualidade das decisões e integridade dos servidores públicos assumem dimensão estratégica de relevo e exigem a convergência de todos na identificação e adopção das melhores soluções.
Referiu, ainda, que outro desafio com que o judiciário se debate hoje é o de resgate da confiança de todo o sistema de administração da justiça pelos cidadãos, e que enquanto pilar de um Estado de Direito Democrático, o sector de administração da justiça deve ser encarado pelos cidadãos como o guardião do livre exercício dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, constitucionalmente consagrados.
A Procuradora-Geral da República defendeu que há que introduzir mudanças nas nossas instituições, adoptando atitudes que nos permitem enfrentar estas novas realidades criminais e, como país, somos chamados a mobilizar capacidades que garantam a realização dos nossos interesses enquanto nação soberana e este desiderato requer a comunhão de objectivos, na perspectiva de garantir que o judiciário realize o seu múnus, no que concerne à responsabilização dos que enveredam pela violação das leis e à recuperação de activos ilegalmente adquiridos ou desviados.
O Presidente do Tribunal Supremo, Adelino Manuel Muchanga, por seu turno, referiu no discurso, que a cerimónia de abertura do Ano Judicial – 2019, assume uma feição especial por acontecer no âmbito das celebrações dos 40 anos da Organização Judiciária e por acontecer no ano em que se assinala 50º aniversário da morte do Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, arquitecto da unidade nacional, herói da humanidade, homem que deu a sua vida em defesa dos valores da justiça.
O Presidente do Tribunal Supremo, numa breve resenha à história e à evolução do sistema de administração da justiça moçambicano, referiu que desde o tempo da luta de libertação nacional, pretendeu-se construir um sistema unificado de Justiça, a justiça popular, onde a participação popular, a oralidade e a colegialidade eram traços característicos da administração da justiça nas zonas libertadas e pretendeu-se um sistema de justiça que servisse os interesses do povo e, como tal, acessível do ponto de vista cultural, linguístico e económico.
Referiu ainda que a independência de Moçambique em 1975 e a consequente aprovação da Constituição da República Popular, rompeu com o regime colonial, adoptando-se a designação de República Popular de Moçambique, caracterizada pela detenção do poder pelo povo, e a organização do Estado tinha como princípio político estruturante a unidade do poder do Estado que pugnava pela supremacia da Assembleia Popular sobre os demais poderes do Estado.
O Presidente do Tribunal Supremo, assinalou que passados três anos depois da proclamação da independência nacional, importantes ajustamentos foram feitos na organização do Estado pela grande alteração à Constituição que teve lugar através da Lei n° 11/78, de 15 de Agosto, onde os órgãos do Estado passaram a orientar-se pelos princípios do centralismo democrático, dupla subordinação, iniciativa local e contacto permanente com o povo, princípios que haveriam de informar o texto da primeira lei da organização judiciária, que viria a ser aprovada pela Lei n°12/78, de 02 de Dezembro, e que a evolução do ponto de vista legislativo foi acompanhada do contínuo desenvolvimento institucional e crescente alargamento da rede judiciária.
Destacou que, hoje, a Magistratura Judicial conta com 369 juízes profissionais, quase todos com formação superior, 2.880 funcionários dos tribunais judiciais, sendo que 30% destes tem formação superior; encontram-se em funcionamento 155 tribunais judiciais, dos quais 133 são de nível distrital, 03 Tribunais Superiores de Recurso, 01 Centro de Formação Jurídica Judiciária, que ministra cursos de ingresso às diversas magistraturas, o que passará a acontecer também com os novos ingressos para as carreiras de Oficiais de Justiça e Assistentes de Oficiais de Justiça.
Apontou, porém, que percorridos 40 Anos da Organização Judiciária, o debate continua sobre o modelo adoptado e o lugar da função judicial no âmbito dos poderes do Estado e que os desafios do Judiciário exigem um olhar mais atento de todos os órgãos do Estado e todos os actores políticos e sociais para, na conjugação de esforços, repensarmos no perfil das instituições, no modelo da independência dos juízes, no sempre presente problema da morosidade processual, e na adequada formação dos colaboradores.
Referiu que perante o novo paradigma de explosão da demanda e da elevada complexidade dos casos, há que ter a coragem de inovar, não nos devemos acomodar nos métodos artesanais de investigação, de gestão processual e de julgamentos, há que investir seriamente na Justiça, por ser um dos principais pilares dum Estado de Direito e importante instrumento para o alcance do bem-estar.
Disse, ainda, que é fundamental, e até urgente, que a Justiça caminhe rapidamente para a era digital, adoptando ferramentas tecnológicas que permitam controlar o tempo de tramitação dos processos, corrigir as anomalias em tempo útil e responsabilizar aqueles cuja actuação não se enquadre na visão de um sistema de justiça acessível, independente, íntegro, célere e de qualidade.
No que respeite à actividade jurisdicional, referiu que o desempenho quantitativo foi positivo em 2018, pois, abriu-se o ano judicial de 2018 com 159.594 processos pendentes, deram entrada 158.201 e findaram 161.594 processos, tendo transitado para 2019 uma pendência de 156.569.
Assim, porque em 2017 findaram 133.258 processos, constata-se que em 2018 houve um aumento de processos findos, na ordem de 21.3%, muito acima dos 5% planificados de aumento da meta colectiva.
O Presidente do Tribunal Supremo, referiu que sabemos que o tempo da justiça nem sempre coincide com o idealizado pela sociedade ou pelas partes, mas, podemos assegurar que a supremacia do Direito continuará a ser nossa obrigação e nossa obsessão.
Referiu, ainda, que fazer justiça exige um elevado equilíbrio entre a razão e a emoção; por isso à bem da justiça, é fundamental que o juiz tenha em conta apenas os elementos trazidos ao processo e não se esqueça do cumprimento rigoroso de todas as formalidades previstas por lei e a tomada de decisões em tempo útil continuará a ser uma exigência básica na actuação dos magistrados, porém, a celeridade não deve ser confundida com precipitação, sob pena de se ver aumentado o risco do erro judiciário, o tempo da justiça deve corresponder às exigências próprias de cada processo.
O Presidente do Tribunal Supremo, assegurou que somos capazes de administrar a justiça vinculados aos interesses de Moçambique e dos moçambicanos, uma justiça capaz de fazer uma introspecção e surpreender os seus erros e, apesar deles, uma Justiça que se reinvente e não desfalece, porque consciente do seu papel essencial para a paz social, somos capazes, porque depende de nós, de assentarmos a nossa actuação em valores da ética, moralidade, honestidade e transparência e é com este sentido e com a consciência da essencialidade da nossa missão que auguramos sucessos a todos no exigente ano judicial de 2019.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro, no seu discurso, referiu que o valor histórico das quatro décadas deve servir de inspiração para o contínuo aprimoramento dos processos de definição de políticas e estratégias de desenvolvimento do sector de administração da justiça e que na definição destes instrumentos orientadores, devemos sempre procurar ir de encontro às preocupações quotidianas da sociedade, que procura um sistema de justiça eficiente, justo e célere.
O Primeiro-Ministro da República de Moçambique, reiterou o compromisso e a disponibilidade do Governo em continuar a colaborar e apoiar os Órgãos do sector de Administração da Justiça na criação de condições visando a contínua melhoria do sistema judiciário do nosso país, destacandoa implementação, de forma gradual, do modelo de independência financeira do judiciário, como sendo a acção determinante do Governo no aprofundamento e consolidação do princípio da separação de poderes e, em concreto, da autonomia e independência das instituições do Estado.
A cerimónia central contou com a presença dos titulares dos órgãos do Sector de Administração da Justiça, Magistrados, Deputados da Assembleia da República, Advogados, Membros do Governo da República de Moçambique e do Corpo Diplomático acreditado em Moçambique, parceiros de cooperação e membros das Organizações da Sociedade Civil, Oficiais de Justiça e Assistentes de Oficiais de Justiça, quadros do Sector de Administração da Justiça, entre outros convidados.
A cerimónia central foi assinalada ainda pela homenagem de figuras, Juízes, Procuradores e que se destacaram, desde 1978, na implantação, desenvolvimento e consolidação da organização Judiciária de Moçambique.